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Quem foi Paulo Freire de verdade?

Atualizado: 21 de set. de 2022

"Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, e nunca em mim?"





Paulo Freire é uma figura controversa, especialmente em seu próprio país. O pernambucano, filho de um capitão da Polícia Militar e da exaltada Dona Tudinha, compunha uma família de classe média que, durante a crise de 1929, passou por dificuldades.


O pedagogo foi um dos brasileiros mais homenageados da história. Ele recebeu, aproximadamente, 50 títulos de Doutor Honoris Causa de várias universidades ao redor do mundo, foi premiado pela UNESCO em 1986, convidado a ser professor visitante de Harvard em 1969 e declarado Patrono da Educação Brasileira em 2012.


Apesar disso, no ambiente político, Freire é frequentemente responsabilizado pelos péssimos índices educacionais do Brasil e por supostas metodologias de doutrinação de alunos.


Uma pequena introdução à filosofia de Freire

"Um, na posição que lhe é própria; o outro, na que o nega, ambos girando em torno de 'sua' verdade, sentem-se abalados na sua segurança, se alguém a discute. Daí que lhes seja necessário considerar como mentira tudo o que não seja a sua verdade. Sofrem ambos da falta de dúvida" - Paulo Freire em "Pedagogia do Oprimido"

Crítico do modelo educacional vigente, o educador construiu sua filosofia pedagógica pautado na necessidade de diálogo livre e democrático entre educador e educando. Paulo Freire acreditava que o atual ambiente de ensino parte do princípio de que o professor, ou "aquele que professa", é o único detentor do conhecimento e despeja essas "verdades" em seus alunos, meros depósitos de informação que apenas memorizam e repetem. Essa estrutura educacional, nomeada pelo autor como "Educação Bancária", atrofia o pensamento crítico e a criatividade, servindo como artifício de controle dos pensamentos e ações da sociedade.


Em contrapartida, o ambiente democrático escolar criaria uma cultura de escutatória, ou seja, as salas de aula não seriam palanques para monólogos, mas sim ambientes de trocas. Para Freire, ensinar é saber escutar. Não se trata de falar para o aluno, mas sim de falar com ele. Dessa forma, se a vida humana só tem sentido na comunicação, as salas de aula não seriam um ambiente de certezas, mas sim de dúvidas. Essa "Educação Dialógica", portanto, incentiva a criticidade do educando e a formação de uma consciência de liberdade suficiente para que ele se entenda como sujeito transformador da sociedade.


Educação Neutra

"Para que a educação fosse neutra era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social" - Paulo Freire em "Pedagogia da Autonomia"

Clichês como "não há felicidade sem tristeza" ou "não há sombra sem luz" são constantes no imaginário popular. Um senso comum que faz completo sentido. Da mesma forma, Paulo Freire atesta que não há como separar a educação do ensino. Isto é, a sala de aula não consiste (ou não deveria) num ambiente de mera retenção de informação que, posteriormente, será regurgitada num teste, mas sim num microcosmos da sociedade que prepara cada um dos educandos para a "vida real".


Faria sentido desenvolver um ambiente de neutralidade se o mundo real não é nada neutro? Faria bem aos jovens uma vivência em uma bolha apolítica, tendo em vista que o Homem é um ser naturalmente político?


Quem estuda o básico de comunicação, pedagogia, psicologia ou empreendedorismo tem a plena certeza de que o segredo de uma boa conversa é a identificação, a geração de empatia. Em um país com relevantes índices de analfabetismo e analfabetismo funcional, é coerente que as pessoas tenham maior interesse por discussões quando estão atreladas aos aspectos concretos de suas necessidades. De modo simples, a educação e sua metodologia devem levar em consideração a realidade fática do aluno, pois é a aproximação entre teoria e prática o grande segredo para o fim da indiferença. Como seres humanos, somos a soma entre nossa essência e nossas experiências.


Se nossa essência é notoriamente política, qual seria a efetividade de preencher nossas experiências de modo diferente?


Doutrinação

"Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender" - Paulo Freire em "Pedagogia da Autonomia"

Julgado como o responsável pelo fracasso educacional e político-ideológico brasileiro, Paulo Freire tecia as mesmas críticas aos opositores que agora o criticam. É assim possível concluir que a cultura do apontamento não é novidade no cenário político nacional.


Nesse sentido, a crítica de que Freire defendia a doutrinação por parte de professores que, utilizando de sua posição autoritária e da audiência cativa dos alunos, fariam imposições ideológicas a esses seres passivos, muitas vezes tem origem no simples ódio político. Afinal, se sua tese central consiste na da criação de um ambiente de respeito, discordância e diálogo, em que há efetiva horizontalidade entre educadores e educandos, essa suposta posição de superioridade do professor não existiria. Inclusive, desde o início da alfabetização, o aluno entenderia sua posição de sujeito ativo questionador e provido de pensamentos próprios.


Destruição da autoridade do Professor

“O professor que desrespeita a curiosidade do educando, (…) que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que ‘ele se ponha em seu lugar’ ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, (…) transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência.” - Paulo Freire em "Pedagogia da Autonomia"

A desvalorização do professor, supostamente colocado em pé de igualdade com o aluno, é mais uma das inúmeras críticas atribuídas a Paulo Freire. Na história recente, episódios de agressão a educadores são constantemente associados ao entendimento errôneo de que autoritarismo é o mesmo que autoridade.


Isto é, o educador deve sim ser autoridade na sala de aula, não mais por uma imposição sintética ou pela força de punição, e sim por ser o mediador competente de toda a troca intelectual, como uma espécie de maestro dos conhecimentos. Por ser o único capacitado para gerir o fluxo de informação, o professor, sem dúvidas, não é igual ao aluno. Nesse momento, a autoridade não é mais despótica, e sim pactuada dentro de sala de aula com naturalidade.


Um olhar Crítico sobre Freire


No espectro da "Educação Dialógica", anteriormente introduzida, Paulo Reglus Neves Freire nunca quis ser mitificado, mas reinventado e aprimorado. Apesar de manter-se excepcionalmente alinhado com seus princípios, interpreto que o exílio de Freire de sua terra natal, durante a Ditadura Militar, aflorou um ódio político semelhante ao pronunciado pelos seus opositores nos dias de hoje. Por isso, principalmente na obra "Pedagogia do Oprimido", escrita durante tal perseguição, pareceu trivial que a raiva substituísse a razoabilidade do autor.


Não há que se falar em ideologia velada, pois Freire inicia qualquer obra defendendo pautas sociais, revolucionárias e a não neutralidade acadêmica. Todavia, as críticas a ditaduras no geral não são compatíveis com as referências elogiosas a lideranças revolucionárias como Fidel Castro. Da mesma forma, a defesa de uma revolução violenta que inaugura a paz me parece pouco cabível, assim como um processo revolucionário que não busca cooperação da oposição nos dias de hoje.


Numa análise quase que histórica, o que Freire acreditava ser de suma relevância, em "Pedagogia da Autonomia" é evidente a expurgação dessa suposta mazela contextual. Afinal, ainda totalmente coerente com sua ideologia, o Patrono da Educação Brasileira registra em sua última obra a maturada essência de sua filosofia educacional. Paulo Freire é questionável e gostaria de ser, mas suas contribuições para a pedagogia são quase indiscutíveis.









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